A decisão do governo Hugo Chávez de não renovar a licença da Rádio Caracas Televisão (RCTV) vem suscitando manifestações pró e contra, na Venezuela e América Latina, com repercussões em vários países.
O fato é paradigmático na história das relações entre a mídia, o campo da política e a sociedade.
Em 11 de abril de 2002, a oposição protagonizou um golpe de estado contra o presidente Chávez. À frente, o empresário Pedro Carmona, o líder sindical Carlos Ortega, setores do alto comando das forças armadas e duas emissoras de televisão privada que operavam no País: RCTV e a Venevisión, do magnata Gustavo Cisneiros.
O plano do golpe era perfeito, exceto por um “detalhe”: os golpistas esqueceram de combinar com a população. Em menos de 48 horas, o presidente que já estava preso, voltaria ao poder nos braços de mais de dois milhões de pessoas, mobilizadas por uma notícia divulgada pela CNN (em espanhol): Chávez não havia renunciado. A informação furava um bloqueio midiático patrocinado pelas grandes redes, que transmitiam desenhos animados e mentiam à população.
Uma emissora de televisão resulta de concessão pública. Cabe indagar: é papel de uma empresa de comunicação ser de “oposição” ou de “situação”? A meu juízo, nos dois casos estaria desservindo ao interesse público e à democracia. O jornal “O Estado de S. Paulo” respondeu a questão com a maior naturalidade (27/05/2007) e chamou a RCTV de “TV opositora”. Ora, como concessão pública, espera-se que uma emissora cumpra seu papel balizado por dois princípios maiores: prestar serviços de qualidade à sociedade e tratar a informação como bem público.
As emissoras de TV comerciais da Venezuela tiveram participação direta na tentativa de golpe e agiram à margem da lei. O próprio “Estadão” registra que o “protagonismo” do diretor da RCTV, Marcel Granier, no golpe de 2002, “a bem da verdade é admitido até por setores da oposição”. Não cabe a uma emissora de TV ser de “situação” ou de “oposição”. Para cumprir esses papéis, a sociedade elege líderes políticos que a representam em governos e parlamentos. A função de criticar, livre e autonomamente, governos e figuras públicas nada tem a ver com “oposição” nem golpismos.
Há uma semana, um grupo de 24 personalidades inglesas, lideradas pelo escritor Harold Pinter (Nobel de Literatura) e o cineasta John Pilger, divulgou no jornal “The Guardian” (26/05/2007) um manifesto apoiando a decisão do governo venezuelano. Junto-me a eles, compreendendo o alcance histórico desse gesto. Diz o texto: “A decisão é legítima uma vez que a emissora repetidamente fomentou a derrubada do governo democraticamente eleito do presidente Hugo Chávez”. E indaga, em outro trecho: “Imaginem as conseqüências se se descobrisse que a BBC ou o ITV fizeram parte de um golpe contra o governo britânico”. Pergunto ainda: por quanto tempo a CNN e a Fox News ficariam no ar se flagradas pelo governo Bush em aventura similar?
O jornalista Luiz Carlos Azenha (TV Globo, http://www.viomundo.com.br/) escreve: “É interessante que nunca tenha ocorrido aos donos da RCTV que deturpar informações, omitir, mentir e violar as leis pudesse ter alguma conseqüência”. Azenha reuniu em seu blog vasto material de pesquisa sobre o tema e a íntegra do documentário “A revolução não será televisionada”, que conta em detalhes a tentativa de golpe.
Pela primeira vez, na história latino-americana recente um governo popular enfrenta o poder antidemocrático da mídia, nos marcos do Estado de Direito, a despeito de quaisquer críticas cabíveis ou não ao projeto de governo de Hugo Chávez Frias.
Samuel Lima
Jornalista, coordenador do curso de Jornalismo do Bom Jesus/IELUSC (Santarém PA)
.
O blog do Luis Nassif e a revista Época (para assinantes) iluminam ainda mais o tema.
O fato é paradigmático na história das relações entre a mídia, o campo da política e a sociedade.
Em 11 de abril de 2002, a oposição protagonizou um golpe de estado contra o presidente Chávez. À frente, o empresário Pedro Carmona, o líder sindical Carlos Ortega, setores do alto comando das forças armadas e duas emissoras de televisão privada que operavam no País: RCTV e a Venevisión, do magnata Gustavo Cisneiros.
O plano do golpe era perfeito, exceto por um “detalhe”: os golpistas esqueceram de combinar com a população. Em menos de 48 horas, o presidente que já estava preso, voltaria ao poder nos braços de mais de dois milhões de pessoas, mobilizadas por uma notícia divulgada pela CNN (em espanhol): Chávez não havia renunciado. A informação furava um bloqueio midiático patrocinado pelas grandes redes, que transmitiam desenhos animados e mentiam à população.
Uma emissora de televisão resulta de concessão pública. Cabe indagar: é papel de uma empresa de comunicação ser de “oposição” ou de “situação”? A meu juízo, nos dois casos estaria desservindo ao interesse público e à democracia. O jornal “O Estado de S. Paulo” respondeu a questão com a maior naturalidade (27/05/2007) e chamou a RCTV de “TV opositora”. Ora, como concessão pública, espera-se que uma emissora cumpra seu papel balizado por dois princípios maiores: prestar serviços de qualidade à sociedade e tratar a informação como bem público.
As emissoras de TV comerciais da Venezuela tiveram participação direta na tentativa de golpe e agiram à margem da lei. O próprio “Estadão” registra que o “protagonismo” do diretor da RCTV, Marcel Granier, no golpe de 2002, “a bem da verdade é admitido até por setores da oposição”. Não cabe a uma emissora de TV ser de “situação” ou de “oposição”. Para cumprir esses papéis, a sociedade elege líderes políticos que a representam em governos e parlamentos. A função de criticar, livre e autonomamente, governos e figuras públicas nada tem a ver com “oposição” nem golpismos.
Há uma semana, um grupo de 24 personalidades inglesas, lideradas pelo escritor Harold Pinter (Nobel de Literatura) e o cineasta John Pilger, divulgou no jornal “The Guardian” (26/05/2007) um manifesto apoiando a decisão do governo venezuelano. Junto-me a eles, compreendendo o alcance histórico desse gesto. Diz o texto: “A decisão é legítima uma vez que a emissora repetidamente fomentou a derrubada do governo democraticamente eleito do presidente Hugo Chávez”. E indaga, em outro trecho: “Imaginem as conseqüências se se descobrisse que a BBC ou o ITV fizeram parte de um golpe contra o governo britânico”. Pergunto ainda: por quanto tempo a CNN e a Fox News ficariam no ar se flagradas pelo governo Bush em aventura similar?
O jornalista Luiz Carlos Azenha (TV Globo, http://www.viomundo.com.br/) escreve: “É interessante que nunca tenha ocorrido aos donos da RCTV que deturpar informações, omitir, mentir e violar as leis pudesse ter alguma conseqüência”. Azenha reuniu em seu blog vasto material de pesquisa sobre o tema e a íntegra do documentário “A revolução não será televisionada”, que conta em detalhes a tentativa de golpe.
Pela primeira vez, na história latino-americana recente um governo popular enfrenta o poder antidemocrático da mídia, nos marcos do Estado de Direito, a despeito de quaisquer críticas cabíveis ou não ao projeto de governo de Hugo Chávez Frias.
Samuel Lima
Jornalista, coordenador do curso de Jornalismo do Bom Jesus/IELUSC (Santarém PA)
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O blog do Luis Nassif e a revista Época (para assinantes) iluminam ainda mais o tema.
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